quarta-feira, 25 de maio de 2011

Happy 70th Birthday, Bob!


“Esta é a história de um poeta e músico nascido e renascido vezes a fio, que morreu diversas mortes e ainda assim continuou a viver. É a história de um herói popular que negou o próprio heroísmo, de um rebelde que desafiou a sua cultura com tal eloqüência que ajudou a criar uma contracultura, e que então se voltou contra os excessos do que ajudou a criar.” Assim o lendário crítico Robert Shelton define Bob Dylan, no ‘Prelúdio’ de sua Biografia sobre aquele que seria conhecido como ‘a voz de sua geração’, intitulada ‘No Direction Home’, da qual já falamos neste Blog, num belíssimo artigo da jornalista Raquel Cozer. Mais à frente, em seu livro, Shelton, que tanto impulsionou a carreira do biografado, com aquele célebre texto publicado no ‘The New York Times’, em 29 de setembro de 1961, afirma que Dylan “tirou a poesia de prateleiras empoeiradas e a colocou na jukebox” e, em seguida, vai ainda mais além, quando diz que “as definições de literatura precisaram ser expandidas em novas formas, para incluir a arte de Dylan.”

Pois bem, este velho bardo, tantas vezes morto e outras tantas renascido, chegou aos 70 anos, em plena produção artística, jovem como sempre...

Ao contrário de outros, que ficaram pelo caminho e ainda outros mais, cujos talentos minguaram ou desapareceram por completo, Dylan continua na crista da onda. Escreveu o primeiro volume de suas crônicas; sua obra continua servindo de tema de estudos das mais reconhecidas universidades; recebeu o Prêmio Pulitzer, por sua contribuição à música popular; ganhou um Oscar e tem nos presenteado com seus últimos álbuns de estúdio, de ‘Time Out of Mind’, de 1997, até ‘Together Through Life’, de 2009, todos de altíssima qualidade. Isso sem falar na ‘Turnê Sem Fim’, que ainda percorre as estradas do mundo todo e, recentemente, em meio a muita polêmica, chegou à China! Things have changed and Dylan with them.

Dylan ainda está vivo! Ainda compõe músicas de rara beleza, de puro lirismo, como ‘Mississippi’, registrada em seu álbum ‘Love and Theft’ de 2001. Dylan continua a ser um artista que se reinventa e que tudo o que pretende é tradurzir-se em suas próprias canções...

Rendo, portanto, minha homenagem a este bardo; poeta; profeta; rebelde; pintor; alguém que tanto me ensinou sobre amor e perda, esperança e desolação, fé e descrença; parceiro de madrugadas e bebedeiras; distante e tão perto, tão presente, que mais parece um velho amigo, daqueles que nunca nos abandonam.

“May your heart always be joyful; May your song always be sung; May you stay forever young.”

Happy 70th Birthday, buddy!

24 de maio de 2011.
Sérgio

terça-feira, 24 de maio de 2011

O Mentiroso

Por Marcelo Xavier


Eis o homem! Tem aquela famosa cena no meio do show do Royal Albert Hall em 1966 (que na verdade não é no Albert Hall) onde um sujeito na platéia - escandalizado pela barulheira neurótica que Bob Dylan (que faz hoje 70 anos (de idade) transformara a sua apresentação, colocando uma banda de rock no último volume tocando blues pesado depois de um set acústico - sobe na cadeira e chama o menestrel das esquerdas de "Judas". Ao passo que o compositor, enquanto procura o gozador na platéia, responde: "eu não acredito em você. Você é um mentiroso".

Pois a verdade é essa: você é que é o mentiroso, caro sr. Bob Dylan. Mentiroso e oportunista. Você fez todo mundo de bobos. Seu método foi simples. Você viu que a onda do rock tinha passado junto com a cultura dos anos 50 como um juiz nos seus últimos anos de magistratura. Não foi isso o que você falou no Crônicas, seu picareta??

Você é apenas um rábula que vivia rondando universidades até que descobriu que uma garotada que vivia em Nova Iorque havia redescoberto aquele pessoal de esquerda dos Weavers, que todo mundo agora estava curtindo Paul Anka e você não tinha voz nem físico nem carisma para ser um Pat Boone, leu sobre os vagabundos da América beat e virou uma versão moderna deles.

Então você deve ter pensado MAQUIAVELICAMENTE da seguinte maneira: todo mundo acha que esses rapsodos estilo Woody Guthrie são uns sujeitos que fazem puro proselitismo em letras de um engajamento político de algibeira. Já que todos pensam que esses folk singers não passam de um bando de simplórios que acham que vão matar fascistas com um violão rachado E PREGAR UMA PEÇA NOS FARISEUS.

A fórmula era simples: aproveitar a onda da boemia bem vestida do Village que, depois do ressurgimento da onda folk em Newport (ali por 1960) e do recrudescimento de movimentos pelos Direitos Civis, e entrar nessa nova onda.


"Vou virar um folk singer de 18 anos fazendo cara de cachorrinho abandonado, usando botas de guarda-freios embarradas, um boné, uma gaita, vou ouvir todos os discos possíveis de blues, de folk, vou copiar o Dave Van Ronk, Charlie Patton e todo aquele pessoal do Anthology of American Folk Music, vou aprender dedilhados e acordes de blues, vou aprender harmonica, vou ver Genet, Balzac, Gogol, Victor Hugo, o Metamorfoses do Ovídio, a autobiografia Davy Crockett, roubar discos dos meus amigos, procurar Clausewitz, Faulkner, Poe, Longfellow e entrar em todas essas transas literárias e não ter nenhuma pose de intelectual. Vou ser um intelectual sem biblioteca. Vão me perguntar de onde eu aprendi a toca violão e vou dizer que foi através de um sujeito de pés de casco de bode na auto-estrada 61".

Bob Dylan, esse mentiroso. O plano dele é simples, e todos caíram. ele sabia que a cultura imediata do seu tempo estava com os dias contados, o grande golpe era aproveitar que o folk estava na mesma transa dos movimentos de esquerda. E pensou: "Vou ser o queridinho deles". Assim, Bob Dylan, na meca das editoras musicais, começou a fazer barulho e marquetear a sua imagem de Werther com um violão no colo e carinha de menor abandonado. Pegou todo repertório possível de blues e folk e estudou todas as possibilidades de arquivar aquilo, graças à sua memória de elefante.

E foi simples: Dylan pegava cançonetas tradicionais obscuríssimas, como No Auction Block, fazia uma paráfrase marota, escrevia algo ordinário e que todos queriam ouvir, como "quantos caminhos um homem precisa trilhar para tornar-se um homem?".

Foi assim que o sr. Zimermann inventou essa mentira, chamada Bob Dylan. Ele plagiava dezenas de temas folk, escrevia letras de protesto inteligentíssimas e que convergiam para todo o movimento de massas que crescia nos Estados Unidos do começo dos anos 60. Só precisava chamar a atenção de algum produtor de discos, arranjar um empresário (de preferência, inescrupuloso) e dar visibilidade àquele fait-divers peripatético do menino menor abandonado e frágil que, de repente abre a voz fanhosa e canta versos intermináveis denunciando injustiças sociais, políticas beligerantes pró-intervenção ianque no Extremo Oriente, assassinatos covardes de líderes sociais e empregadas domésticas, crônicas de desvalidos e sem culotes da vida afora.

Agora basta enlatar e vender para as massas. Dylan ainda caiu nas graças de um certo Albert Grosmann, que juntou a sua inescrupulosidade (?) com e dele (Grosmann tinha uma transa com o pessoal de Newport e com as editoras do Tim Pan Alley e, do Café Wha! para as prateleiras de discos e programas de tevê era um pequeno passo) e, desse conúbio, Dylan inventou a sua reputação. De uma hora para outra, a juventude americana não queria mais Frankie Avalon, Pat Boone, Neil Sedaka e essa estirpe de cantores fabricados para bobbysockers.


Bob Dylan acabou com eles. e paulatinamente ia acabar com o mercado dos cantores-intérpretes: a partir dali, o mercado queria consumir apenas cantores-compositores. Enfim: o crápula Dylan pôr o mercado fonográfico americano em xeque (a soldo de Havana ou Moscou, diziam) e a moda agora era ser fanhoso e talentoso, ou seja, um ultraje à moral e aos bons costumes.

Como se não bastasse, Bob Dylan não parou de mentir. Do nada, viu que a moda agora eram conjuntos musicais eletrificados fazendo música ligeira, como os Beatles. Mesmo que ele não gostasse, ele fez como fez com Patton, Guthrie, Henry Thomas e todos aqueles folk-singers castiços do tempo do gramofone. Resolveu forjar, da maneira mais abjeta e oportunista, a sua própria versão de uma banda de rock.

Foi quando ele cometeu o acinte de abandonar as jornadas de esquerda e escrever letras surrealistas e sem sentido nenhum, com versos ridículos como "o sol não é amarelo, é galinha", para provocar tanto quem caiu no seu conto do vigário quanto quem não gostava dele.

Sabem aquela querela em Newport, em 1965, quando ele trocou o violão pela guitarra? Ele morre dizendo que não, mas aquilo foi uma manobra WTF prá mandar todos aqueles ingênuos úteis às favas. Mandou o velho Pete Seeger pegar o seu avoengo e ingênuo We Shall Overcome e ver se ele está na esquina da 4th Street com um macaquinho e seu realejo e todos aqueles sombrios perdedores mortos-vivos da fila da Desolação. ele sabe que ninguém vai matar fascistas cantando isso. A verdade é essa: o Mr Jones eram eles, e eram vocês, que achavam que estavam tão certos do que sabiam e de toda a mensagem e estavam todos por fora.

Vocês não sabem nada, ficam citando livros e não aprenderam nada, todos são Judas. Dylan não é um Judas, Dylan é um personagem convencendo a VOCÊS a veracidade das mentiras dele, como diria o Paul Klee: os traidores são vocês, que não têm o que fazer. Vocês estão errados, vocês acreditaram num embuste, numa falcatrua. Não adianta reclamar com ele, reclamem com o SAC. Ele é um produto de consumo como tudo nesse mundo debaixo do sol.


Pior: depois de forjar aquele acidente de moto, ele voltou, anos depois, e gravou um disco imitando todos aqueles rednecks quadradões de Nashville enquanto gente como o Johnny Cash, o Waylon Jennings e o Willie Nelson quebravam lanças numa guerra cruenta contra o Nashville Sound, e Dylan resolveu adotar a pose de conservador e pai de família, com musiquinhas do tipo: "deita na minha cama, sua linda". Olha o naipe da parada. Menestrel das Esquerdas pai de família, pintando quadros e querendo dar tiros nos fãs chatos em Woodstock. Menestrel das Esquerdas. E a conta bancária? Vai bem?

Dylan: I don't believe you. You're a liar. Parabéns, seu mentiroso!

Texto originalmente publicado no Blog 'Pato Macho'.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Perto do mito


Sai no Brasil edição revisada de No Direction Home, biografia de Robert Shelton, jornalista que “descobriu” Bob Dylan em 1961 e teve acesso privilegiado à vida do músico:

O rapaz de 20 anos refletiu por dois instantes: “Bob Dylan, Bobby Dylan, Bob Dylan, Bobby Dylan… Escreva Bob Dylan! É como quero ficar conhecido.”

Transcorria a última semana de setembro de 1961, e o músico, após um show no clube Gerde’s Folk City, em Greenwich Village, falava pela primeira vez à imprensa. O entrevistador era um amigo recente, habitué da cena folk nova-iorquina, Robert Shelton (1926-1995) – que, dias depois, publicaria no New York Times: “Suas roupas podem estar precisando de ajustes, mas, quando ele toca violão, gaita ou piano, não restam dúvidas de que está arrebentando de tanto talento”.

À resenha se seguiu um contrato do então anônimo músico com a poderosa Columbia, mas os bastidores daquela noite e de inúmeras outras nos anos 60 – que outros biógrafos puderam só apurar, em vez de vivenciar – foram conhecidos apenas em 1986, quando Shelton enfim conseguiu publicar No Direction Home, projeto acalentado por duas décadas.


E só agora, 50 anos após aquele primeiro texto, passados 26 anos da morte do autor e no mês em que o compositor de Blowin’ in the Wind e Like a Rolling Stone completa 70 anos (no dia 24/05), a biografia sai nos EUA tal como Shelton a concebeu. Revisada por Elizabeth Thomson, amiga que acompanhou os anos finais de edição, foi também a primeira versão a sair por aqui, pela Larousse do Brasil, no último dia 15/05.

“Shelton sempre disse que a biografia havia sido ‘resumida sobre águas turbulentas’”, disse Thomson ao Estado. “O livro terminaria com a turnê de 1978. Como a edição demorou, ele teve que atualizar até os anos 80, que não era uma boa fase de Dylan, e ele não tinha muito o que dizer. O forte eram os anos 60, quando Dylan e ele saíam juntos. Boa parte foi cortada em 1986 para que o livro tivesse tamanho aceitável.”

A nova edição, com consideráveis 768 páginas, é bem mais detalhada sobre os anos 60 e termina como Shelton queria, em 1978. Um ponto alto é a descrição de um voo no avião particular de Dylan, em 1966, quando uma exclusiva era chance rara para qualquer jornalista. A edição de 1986 deixou a situação “formal e entediante”, segundo Thomson. “Não dava a dimensão do que era aquele homem acelerado, por bebidas, drogas ou o que fosse, falando sem parar.”

No livro, Shelton descreve: “O ritmo do discurso e a vitalidade dos pensamentos passaram a inflamar Dylan. Seus olhos estavam despertos quando ele prosseguiu: ‘Pergunte qualquer coisa que respondo. Agora temos algo muito claro em relação ao livro. Darei a você quanto puder do meu tempo. Você pode me enrolar, mas nunca vou perdoar se fizer isso, cara’”.


Na nem sempre confortável posição de amigo, o que assumidamente interferiu em análises na biografia, Shelton manteve acesso a Dylan enquanto outros repórteres se debatiam em tentativas de entrevistas com resultados dadaístas (aquelas famosas, com perguntas e respostas do gênero “Sobre o que é seu livro?” “Anjos.”; ou “Quantos cantores de protesto existem?” “Cerca de 136.”). O jornalista testemunhou inclusive a origem da aversão do amigo à imprensa: uma reportagem da Newsweek, de 1963, que localizou os pais de Dylan, com quem ele não falava havia anos, e revelou seu nome real, Robert Zimmerman.

Shelton também viria a falar com a família, criando retrato pungente das discrepantes lembranças de Dylan e de seus pais em relação aos tempos em que ele vivia em Minnesota. Mas isso após pedir autorização, como fez também antes de entrevistar Suze Rotolo, a namorada eternizada na capa de The Freewheelin’ Bob Dylan (1963). A esse pedido de Shelton, Dylan respondeu: “Ela sabe mais do que ninguém que, em 1961 e 1962, quando não tinha ninguém por perto, eu tocava aqueles velhos discos de Elvis Presley. Na verdade, eu disse a ela para nunca falar com ninguém. Mas, se você quiser falar com ela, tudo bem. Só não a pressione, ok? Todos a pressionam”.


por Raquel Cozer – originalmente publicado em 'A Biblioteca de Raquel' e no 'O Estado de S.Paulo'