terça-feira, 6 de julho de 2010

Mais literatura dylanesca...


Mais um pouco de “literatura dylanesca” disponível no mercado editorial nacional. Trata-se do Livro “Like a Rolling Stone”, do crítico Greil Marcus, traduzido para português e recentemente lançado pela Companhia das Letras com o subtítulo “Bob Dylan na Encruzilhada”.

Terminada a leitura do livro, queria deixar aqui no Blog minha impressão definitiva a respeito do mesmo. Quer dizer, definitiva talvez nem seja a palavra adequada, já que muitas vezes uma releitura faz com que a aquela impressão inicial por vezes se modifique. Mas vamos lá:

O livro parte de uma premissa bastante promissora, que é discutir a música hoje, vista sob uma perspectiva histórica, 45 anos depois. Confesso, porém, que não me agradou muito, embora não seja ruim. Achei um pouco chato, meio pretensioso, intelectualóide...

Greil Marcus é um crítico conceituadíssimo, tem uma extraordinária bagagem, mas no livro, a impressão que me deu é que apela pra muita filosofia e pouca informação concreta. Tenta soar como um profeta, um iniciado, alguém que fez uma descoberta ou talvez tenha uma revelação a fazer. A mim, pareceu um pouco presunçoso, embora admita que muita gente possa gostar do estilo. Eu talvez seja mais adepto à pesquisa, a dados biográficos, etc.

Talvez minha expectativa tenha sido muito elevada, mas me deu a impressão que às vezes o autor viaja numas interpretações da 'obra dylanesca'. Soa como se fosse o único a compreendê-la, um 'escolhido', mas objetivamente não diz muita coisa. De fato, o livro tem algumas ótimas passagens, como uma bela homenagem do Dylan a Sam Cooke; o episódio da torça do produtor de Tom Wilson para Bob Johnston e outra, interessantíssima, sobre o início hesitante da carreira de Jimi Hendrix e de como as tentativas dele de tocar os discos de Dylan para amigos no Harlem, eram recebidas com desdém.

Além destas, posso citar diversas outras, como a que pinça uma fala de Mike Bloomfield, sobre Newport ´65, na qual ele dá a entender que a rejeição ao ‘Dylan elétrico’ pelos puristas talvez tenha se dado muito mais por levar eletricidade ao templo acústico. Bloomfield afirma que Lightnin´ Hopkins, p. ex., havia 12 anos que gravava discos ‘eletrificados’, mas não levava sua banda ao festival, chegando lá como se recém-saído dos campos. Uma outra sobre o desespero que levou Levon Helm a deixar a banda em plena turnê americana, por não suportar conviver com vaias e platéias enfurecidas.

Uma nota de rodapé que chama atenção é sobre o amigo paraplégico Larry Keagan, que conservou consigo um disco de alumínio com algumas das 1ªs gravações do Bob em 1956. Quando morreu, em 2001, a família dele teria tentado, sem sucesso, vender o disco no eBay pela bagatela de US$ 150 mil. Muito legal também a narrativa da obsessão do Dylan pela Highway 61.

A melhor parte, porém, talvez por ser provavelmente a mais esperada, vem no Capítulo 10, com o relato do famoso show “Judas!”, em Manchester, Inglaterra, que leva o autor, sabiamente, a considerar que nem “Like a Rolling Stone”; nem Dylan; nem o seu público foram os mesmos após aquela turnê.

Pode parecer antagônico, com tanta coisa interessante, achar o livro um pouco chato. Porém, na minha opinião, falta fluidez ao texto em boa parte do livro. Às vezes a leitura se torna modorrenta e a impressão que dá, é que o autor tenta soar profético, revelador, alguém que alcançou algo que os demais não conseguiriam. Bem, são apenas minhas impressões. Recomendo que leiam e tirem as suas próprias...

Outra coisa que merece registro, é que o autor poderia ter economizado algumas páginas, deixando de fazer as absolutamente dispensáveis referências aos Pet Shop Boys e Village People. Aliás, Marcus é autor daquela resenha do disco 'Self Portrait', a famosa "Que merda é essa?". Talvez fosse hora do Dylan devolvê-la, no momento que Marcus faz estas referências no livro dele.


Foto em frente à Livraria Cultura, do Conjunto Nacional, em São Paulo, onde o livro era destaque.

Like a Rolling Stone - Bob Dylan na Encruzilhada
Greil Marcus (Companhia das Letras; tradução de Celso Mauro Paciornik; 256 páginas)

domingo, 4 de julho de 2010

O Álbum Branco de Dylan

Aqui vai mais um excelente texto sobre o ‘Great White Wonder’, famoso bootleg do Bob Dylan, já abordado aqui no Blog. Esse é da lavra de Marcelo Xavier, grande amigo e verdadeira ‘dylanpedia’.

Em fins de 1969, o New York Times largou essa nota:

O artigo era a respeito da considerável repercussão que um álbum lançado no mercado negro (um bootleg) norte-americano, contendo material inédito de Bob Dylan. O disco, intitulado Great White Wonder, cuja concepção (era branco e duplo) remete ao White Album, dos Beatles, havia sido destaque na Rolling Stone em junho do ano anterior, em outro artigo, Dylan's Basement Tape Should Be Released.

O disco caiu nas ruas e a notícia dá conta de que a gravadora do autor de Blowin' In The Wind, a Columbia, ia tomar todas as medidas necessárias, cabíveis e possíveis a fim de tirar aquele escandaloso disco das lojas.

A história é a seguinte: em 1967, no auge do Verão do Amor, Dylan foi morar no mato nos arredores de Nova Iorque. Pessoal da antiga banda de apoio dele, os Hawks, que tinha relação como empresário dele na época, o Albert Grossman, acabou indo também para lá, e armaram um Q.G. num casarão cor-de-rosa que entraria para a história do rock.

O porão da casa virou um estúdio improvisado. O bando ficou boa parte do verão e do outono gravando, compondo material novo &/ou fazendo covers de temas folk antigos, tudo gravado em rolo. Gravaram mais de cem músicas. Muita coisa os Hawks não sabiam se eram do Bob Dylan ou covers, mesmo. Mas era só clicar no Play/Rec e pagar para ver...

Dylan saiu de lá no fim de 67 para gravar seu próximo disco, o John Wesley Harding, um trabalho totalmente apsicodélico. O curioso é que, para isso, ele dispensou os Hawks e o que ele gravou, com um grupo de Nashville (como fizera com o Blonde On Blonde), não tinha nada a ver com aqueles demos do porão.

O resultado da brincadeira foram rolos e rolos de música. Parte do material inédito seria mandado para a editora musical dele e de Grosmann, a Dwarf. Esse mesmo material foi passado para acetato — e eis que o astuto Grosmann não se fez de rogado: mostoru as novas canções para outros artistas (alguns empresariados por ele), que se interessaram em levar para o disco.

Assim se deu: por exemplo, o Fairport Convention gravou Million Dollar Bash, Manfred Mann registrou Mighty Quinn; Peter, Paul And Mary gravou Tears Of Rage, os Byrds, por sua vez, fizeram a festa: gravaram You Ain't Goin' Nowhere; Nothing Was Delivered e Wheel's On Fire.

Os Hawks — agora já batizados como The Band — gravaram Tears Of Rage, Wheels On Fire. George Harrison, que era amigo do Dylan, ouviu esse material e mostrou para seus três amigos. Diz-se que a idéia das sessões do Get Back foram inspiradas pelas sessões de Woodstock. De forma descompromissada, inclusive, ele e o Paul gravaram respectivamente I Shall Be Released e Please Mrs. Henry, na Apple.

A questão era justamente tentar entender porque depois de um ano, as gravações não foram lançadas oficialmente pela Columbia, e por que elas se diseminaram como sífilis pelo meio musical de forma endêmica. Quando a Rolling Stone se perguntou por qual razão as fitas não tinham um destino lógico, parte delas saiu na famosa versão bootleg, o Great White Wonder.

O disco, concebido por algum colecionador norte-americano, em 69. Ele passa por três fases do compositor.

A primeira, é uma gravação caseira, de 1961, onde ele toca parte do seu repertório do começo da carreira, que se assemelha naturalmente com o seu primeiro álbum: Candy Man, Ramblin' 'Round, Black cross, Ain't Got No Home, Death of Emmett Till e duas que foram lançadas oficialmente, See That My Grave Is Kept Clean e Man of Constant Sorrow.

A segunda cobre já a fase "elétrica", com material inédito do Bringing All Back Home: If You Gotta Go, Go Now (Or Else You Got To Stay All Night) e Sitting On a Barbed Wire Fence.

A terceira finalmente traz a peça de resistência do Álbum Branco de Dylan: highlights dos tapes de Woodstock, antes registrado em acetato: I Shall Be Released, Open The Door, Homer, Too Much of Nothing (que Petr Paul And Mary gravaram), Nothing Was Delivered e a belíssima Tears of Rage — composto em parceria com Rick Danko e que se tornaria um clássico com a The Band.

Esse material passou a ser pirateado largamente nos anos seguintes, e o Great White ganharia uma segunda parte. Dylan decidiu regravar oficialmente algumas canções, como I Shall Be Released e You Ain't Going Anywhere, que saíram no Greatest Hits II, de 71.

Em 1975, a fim de tentar estancar a pirataria infrene, a Columbia remixou parte dos masters de 1967, regravando alguns instrumentos e incluindo coisas que não nasceram oficialmente em Woodstock, como Katie's Been Gone e Bessie Smith, que são da The Band/Hawks e lançaram o conhecido The Basement Tapes.

Detalhe é que, mesmo que objetivo e conciso, a versão oficial deixou muita coisa de fora. Um exemplo é Quinn The Eskimo, que só foi lançado pela CBS na coletânea Biograph, de 1985. E, a rigor, nenhuma versão do Great White Wonder é idêntica a do Basement Tapes. Outro: I Shall Be Released, cujo título é o mote do artigo da Rolling Stone, aparece no GWW mas não saiu no elepê duplo de 75.

E é claro e cristalino que, depois de quarenta anos, esse bootleg — considerado como um dos primeiros da história, junto com o Kum Back, dos Beatles e outros, possui apenas valor histórico: muito desse material viu a luz do dia no Bootleg Series 1961-1991.

Por Marcelo Xavier
highway61@bol.com.br
Originalmente publicado em Vitrola, Minha Vitrola
http://vitrolaminhavitrola.blogspot.com/2010/06/o-album-branco-de-dylan.html